Apenados da Casa de Custódia de Maringá apresentam peça teatral baseada em obra de Dostoiévski

Apenados da Casa de Custódia de Maringá apresentam peça teatral baseada em obra de Dostoiévski

26 de junho de 2023 2 Por Redação

Por algumas horas na tarde de sexta-feira, 23, duas pessoas privadas de liberdade (PPL) trocaram suas celas na Casa de Custódia de Maringá (CCM) pelo palco do Teatro Barracão e, ao invés de serem apontados como criminosos, foram aplaudidos de pé e chamados de artistas por uma plateia formada por professores, escritores e profissionais de teatro e até juiz e dois deputados estaduais. Eles apresentaram ao público uma montagem inédita de “Crime e Castigo”, um clássico de Fiódor Dostoiévski.

A apresentação que encantou e emocionou a plateia, emocionou também os artistas, tanto que um dos apenados já decidiu que quando deixar a prisão vai se dedicar às artes cênicas.

A sessão desta sexta no Teatro Barracão foi mais uma etapa de um projeto especial de leitura que a Polícia Penal do Paraná (PPPR) propôs aos apenados dentro do programa de Remição pela Leitura, que faz parte do trabalho de ressocialização de detentos. O projeto especial, iniciado em fevereiro, começa com a leitura de “Crime e Castigo”, que conta o drama psicológico do jovem Raskólnikov, um estudante de Direito que comete um assassinato e é atormentado pela culpa enquanto paga pelo crime na prisão.

Em todas as unidades penitenciárias do Paraná há apenados participando e, em Maringá, eles leram “Crime e Castigo”, internos que estão na Casa de Custódia, na Penitenciária Estadual de Maringá (PEM) e na Penitenciária Industrial de Maringá – Unidade de Progressão (PIM-UP). Os apenados leram o livro em fevereiro e, em março, participaram de análises, debates, escreveram resenhas, reescreveram e deram vazão ao pensamento criador elaborando algum trabalho com base na obra. Alguns fizeram pinturas, outros se inspiraram e escreveram poemas, textos em prosa e outras formas. Os dois apenados que participaram desta cena optaram pelo teatro.

Monólogo, mas a muitas mãos

Mas, eles não estiveram sozinhos. Uma ideia dessas logo atraiu um batalhão de voluntários para adaptar o drama de Raskólnikov para o palco. Os professores Adauto da Silva e Marco Antonio Garbellini se propuseram a dirigir a montagem, sugerir, corrigir, ajudar; Gislaine Valéria Rodrigues e Vânia Cristina de Rossi buliram no texto até encontrar a forma ideal para o palco, cuidaram do figurino e elaboraram a iluminação e o cenário.

Por trás dessa equipe, conta-se ainda o apoio do diretor da Casa de Custódia de Maringá, Rafael Alberto Kawanishi, o diretor-geral da Polícia Penal, Osvaldo Messias Machado, que foi quem idealizou e se empenhou pelo projeto especial de leitura, o diretor regional da Polícia Penal em Maringá, Júlio Cesar Franco, a diretora do Ceebja, professora Vilma Biadola, e mais Mário Iwamoto Júnior, Pedro Claudinei Soares, Marco Aurélio Menegildo, Eli Rogério Rocha, Gideão Ferreira e Ana Célia de Souza, além de Luiz Carlos Locatelli, que se encarregou da iluminação.

Digno de chegar a outros públicos

Um dos apenados fez a apresentação de Dostoiévski, “Crime e Castigo” e o personagem Raskólnikov, situou a obra na história, contextualizou a relação de Dostoiéviski com o sistema prisional e o quanto a trama mexe com quem está cumprindo pena em uma penitenciária. Depois disso, foi a vez do outro detento prender a atenção do público com o monólogo elaborado por muitas mãos. O fim foi marcado por prolongada salva de palmas.

O deputado estadual Professor Lemos (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná, esteve em Maringá especialmente para prestigiar o monólogo e se desmanchou em elogios. Para ele, trata-se de um espetáculo digno de ser mostrado a outros públicos, em outros palcos, outras cidades. O deputado Evandro Araújo (PSD), também presente, teceu elogios à qualidade e profundidade do trabalho.

Muito além do cárcere pelo cárcere

O diretor regional da Polícia Penal­­­­, Júlio Cesar Vicente Franco, que foi um dos idealizadores do projeto de ressocialização, junto com Osvaldo Messias Machado, disse que o envolvimento de tanta gente na montagem teatral mostra o tamanho da importância do projeto na reinserção social de apenados e o compromisso de todos, desde os agentes de segurança, professores e voluntários. Ele fez um agradecimento especial ao juiz da Vara de Execução Penal, Fábio Bergamin Capela, que tem sido parceiro, com grande empenho para mudar a vida de pessoas privadas de liberdade.

Mesmo sendo uma tarde de sexta-feira, o Teatro Barracão ficou lotado Foto: Divulgação

“A Polícia Penal é a polícia mais nova do Paraná, tem cerca de um ano, e ela tem o objetivo de reinserir o indivíduo na sociedade. Não há mais aquela ideia do cárcere pelo cárcere, a pena não é mais somente para punir, ela tem que, de alguma forma, transformar o indivíduo, para que ele mude aquela ação que cometeu”, diz Júlio Franco, complementando que “nossa corporação entendeu isso e hoje o sistema prisional do Paraná, em especial em Maringá, oferta trabalho de uma forma remunerada para que o preso não seja um estorvo para a família dele, antes, que ele mesmo cumprindo pena, dê apoio financeiro à família”.

Segundo Franco, a aproximação da família é primordial no processo de ressocialização.